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Entenda a arte por trás das boas conversas

Escrito por Felipe Cotrim 24/04/2020
Entenda a arte por trás das boas conversas

Sabe aquela conversa tão boa que faz a gente perder a noção do tempo, que traz lições e que aproxima a gente de verdade dos outros?

Não é sorte e não nascemos sabendo. Esses são mitos.

Boas conversas podem (e devem) ser arquitetadas.

No último ano, em função de um projeto que eu fundei aqui em Lisboa, eu dediquei bastante tempo pensando sobre algo que ninguém pensa: como construir conversas significativas.

Quais ingredientes estão por trás dessa esquecida arte? Como funciona esse universo?

Para entender melhor, eu organizei esse artigo essa conversa assim:

  • VISÃO ÚNICA
  • NASCE UM PROJETO
  • A IMPORTÂNCIA DAS BOAS CONVERSAS
  • BOAS CONVERSAS COMO ESTRATÉGIA DE AUTOCONHECIMENTO
  • 7 INGREDIENTES POR TRÁS DAS BOAS CONVERSAS
  • PERGUNTAS QUE MUDAM O RUMO DE UMA DISCUSSÃO
  • CONCLUSÃO

Vamos lá!

VISÃO ÚNICA

Os 7 ingredientes que eu menciono aqui, são uma pequena “tese” resultante, principalmente, da minha experiência como fundador de uma comunidade sobre discussões significativas aqui em Portugal.

Às vezes eu gosto de trazer evidência direta (“de acordo com tal” ou “segundo fulano”), e às vezes gosto de trazer conhecimento empírico, ou seja, aquele que vem da experiência.

Até porque eu acredito que o nosso trabalho também tem que ter um pouco da gente mesmo. Aquilo que a metodologia da Perestroika defende e chama de autoralidade. Qual a nossa visão única sobre determinado assunto?

Bom, então aqui está um pouco da minha sobre a arte de ter boas conversas.

LISBOA, ALGUM DIA DE FEVEREIRO DE 2019.

Marquei um café despretensioso com um inglês e um português que conheci através de uma comunidade online.

Estranhamente, não conversamos sobre as coisas geralmente conversadas num primeiro encontro: o que fazemos, de onde somos, e as últimas notícias.

Queríamos conversar sobre escolhas da vida, aprendizados, histórias e experiências pessoais.

Em determinado ponto, vimos que tínhamos alguns valores e vontades em comum. Da parte dos valores: curiosidade, mente aberta e pensamento crítico. Da parte das vontades, ter conversas melhores com mais frequência.

Nasceu um projeto.

Passado um ano, depois da excelente recepção da nossa ideia pela comunidade local, estamos fazendo eventos (agora todos online) em 9 cidades: Lisboa, Porto, Londres, Cambridge, Madrid, Barcelona, Amsterdã, Dublin, e Berlin.

Tudo o que nós queremos é ter conversas diferentes e discussões mais profundas daquelas que costumamos ter no dia a dia.

Mas para que exatamente?

A IMPORTÂNCIA DE TER BOAS CONVERSAS

Batizamos o projeto acima de Life Questions Academy.

Na LQA, nós queremos crescimento emocional e intelectual através de conversas significativas provocadas por boas perguntas.

Isso quer dizer que as discussões são apenas o meio, não o fim. O fim é o desenvolvimento e o aprendizado.

Em outras palavras, uma conversa, essa ação tão mundana, é uma excelente ferramenta.

Essa ferramenta, por sua vez, entrega benefícios preciosos como conexão humana significativa, expansão das nossas visões sobre o mundo, aprendizado sobre nós mesmos (mais sobre isso abaixo).

E tudo isso é tremendamente importante para a qualidade da nossa vida.

BOAS CONVERSAS COMO ESTRATÉGIA DE AUTOCONHECIMENTO

Talvez você saiba que o meu foco principal aqui no site é falar de autoconhecimento. Mais precisamente, sobre como desenvolver autoconhecimento?

E embora eu ofereça algumas estratégias mais direcionadas como o Guia As 29 Perguntas ou Modelos Mentais, sem querer eu descobri outra excelente: boas conversas.

A verdade é que não há um método, em alguns eventos eu mais escuto e em outros eu mais falo. E com ambos os comportamentos eu aprendo algo sobre mim. Quando ouço, trago para dentro de mim reflexões totalmente novas. Quando falo, organizo meus pensamentos e recebo comentários direcionadores de volta.

Enfim, criar uma comunidade que se dispõe a mergulhar em conversas profundas e significativas têm sido um grande experimento para eu me entender melhor.

boas conversas, autoconhecimento
– Foto: Priscilla Du Preez

Mas como a vasta maioria dos meus leitores não está em Portugal para aparecer em algum dos eventos da Life Questions Academy, vou compartilhar 7 ingredientes das boas conversas para você replicar isso na sua vida.

7 INGREDIENTES POR TRÁS DAS BOAS CONVERSAS

1) Boas perguntas

Esse primeiro ingrediente é absolutamente fundamental. É mais ou menos como oxigênio, conversas respiram melhor com boas perguntas.

E esse ingrediente funciona em qualquer círculo de pessoas, pois nós somos seres essencialmente sociais. O homo sapiens vive em comunidades há centenas de milhares de anos por questões de sobrevivência. Ou seja, situações sociais estão pregadas no DNA humano. Nós precisamos de conexão.

Logo, alguns tipos de perguntas ajudam muito a criar essa conexão. Algumas perguntas dão vontade de pensar e conversar. Alguns exemplos que já usamos:

  • Que matérias deveriam ser ensinadas na escola e não são?
  • Você preferiria ser um médico ou um psicoterapeuta?
  • O que você acha que todas as pessoas deveriam tentar fazer pelo menos uma vez na vida?

Finalmente, aqui vale a pena se planejar.

Se você não está a fim de outra conversa superficial no happy hour da empresa ou com os amigos de infância, planeje boas perguntas antecipadamente e veja a diferença.

2) Ser ouvinte é ser um editor

Em Janeiro desse ano, estive num curso da TSOL em Londres e foi motivador descobrir a ideia de ouvinte como editor.

Um editor sabe pegar um bloco de texto mal separado, mal pontuado e com pouca coerência e transformá-lo num trecho notável e claro.

Como ouvinte, esse também deveria ser o nosso papel, pois muitas vezes nem a pessoa que está contando a história sabe o que quer dizer.

Precisamos lapidar a história para extrair sentido dela. Lapidar é questionar, ordenar, sugerir, até que faça sentido.

Além de você ter ajudado a pessoa a se entender melhor, que é algo inestimável para ela, agora você conseguiu verdadeiramente entender e pode começar a apresentar a sua visão.

3) Propósito claro

Grupos de pessoas funcionam bem quando sabem o que fazer e por que fazer

Eu sei que definir um propósito para um jantar parece estranho. Mas calma que a ideia é boa.

Imagine que você recebe meia dúzia de amigos próximos para jantar e drinks toda sexta. Você tem 2 caminhos.

O primeiro é simplesmente “deixar rolar”. Grandes chances de vocês começarem a questionar a performance do zagueiro do seu time na última quarta, de tentar entender uma nova lei estúpida da sua cidade, e comentar que aumentaram o tempo de um semáforo que já era lento.

Mas e se você usasse a ocasião para trocar experiências sobre os desafios da vida profissional, por exemplo?

Provavelmente vocês ainda irão falar sobre futebol e trânsito, mas ter um propósito claro vai facilitar a substituição da superficialidade por profundidade.

Compartilhar um desafio pessoal de cada um por semana, por exemplo, não vai apenas trazer lições como vai aproximar bastante vocês.

E obviamente você pode ter outros propósitos e para outros tipos de encontros.

  • Sua família gosta de livros? Use o almoço mensal para discutir um.
  • Está nervosa porque vai ter um filho? Use o chá de bebê para compartilhar os medos de virar mãe e aprender com quem já passou por isso.
  • Você às vezes sonha sobre como seria a sociedade ideal? Reúna amigos para discutir utopia e outros grandes temas.

Se trabalhar com propósito é melhor e motivador, por que um encontro com propósito também não seria?

4) Mais histórias e experiências, menos opiniões e fatos

Uma conversa chega no fundo do poço quando começa uma chuva de “eu acho isso… mas eu acho aquilo… mas eu, mas eu…”

A verdade é que a sua opinião não é muito interessante, as pessoas querem saber mais sobre as suas histórias e experiências. Ou seja, o porquê das suas opiniões.

Uma coisa é saber que uma pessoa acredita em astrologia. Outra coisa muito mais interessante é entender quais circunstâncias de vida levaram aquela pessoa a acreditar em astrologia, ou entender pelo que ela passou para chegar onde chegou, ou onde exatamente o meu caminho e o caminho dela divergiram.

Dificilmente alcançamos esse nível mais profundo, mas geralmente são essas as conversas que nos fazem perder a noção do tempo.

A chave para isso acontecer é curiosidade genuína. Parece simples, mas garanto que só na teoria.

Em vez de já armar a sua resposta para derrubar a “farsa” da astrologia, faça uma pergunta, se interesse verdadeiramente, peça uma história pessoal para ilustrar melhor.

Por fim, transforme suas conversas e seus aprendizados dando menos atenção a opiniões e fatos e mais atenção a histórias e experiências.

5) Vulnerabilidade

Podemos não falar sobre dores, medos, traumas, problemas. Aliás, olhar o nosso Instagram é olhar o retrato de uma vida perfeita. Mas a verdade é que todos, lá no fundo, estão vivendo as mesmas coisas.

Em situações sociais, sempre acabamos compartilhando os nossos sucessos e conquistas, mas o que realmente desperta o interesse dos outros e nos aproxima de verdade é vulnerabilidade.

E estar vulnerável é se arriscar. E para se arriscar é preciso coragem.

Sendo assim, boas conversas são conversas corajosas.

Nada nos aproxima mais do que uma confissão, do que abrir o coração, do que imperfeição.

Assim como uma conversa sem riscos é uma conversa superficial, uma vida sem riscos é uma vida superficial.

Topar fazer a apresentação da empresa envolve risco. Entrar num relacionamento envolve risco. Ter filhos envolve risco. Se assumir envolve risco.

Evitar vulnerabilidade é deixar de viver. Evitar vulnerabilidade é deixar de ter uma conversa significativa.

– Foto: Etienne Boulanger

6) Trazer controvérsia positiva

Não é trazer controvérsia só pelo fato de trazer controvérsia. É trazer um elemento quente e relevante para os encontros pessoais.

Controvérsia desperta bastante interesse e ainda pode nos fazer enxergar perspectivas totalmente novas que nunca tínhamos sequer imaginado.

Alguns exemplos de perguntas que já usamos em edições anteriores dos nossos eventos:

  • Numa empresa, não damos à opinião de um estagiário o mesmo peso da opinião do diretor. Todos os votos deveriam ter o mesmo peso numa democracia?
  • Nos Estados Unidos as pessoas são encorajadas a dizer “Boas Festas” em vez de “Feliz Natal”, pois o último é menos inclusivo para os não cristãos. Você concorda com isso?
  • Num processo seletivo, uma empresa não pode discriminar contra sexo ou raça. Deveríamos poder discriminar contra ideologia política?

7) Não confundir a pessoa com o argumento

Imagine-se ouvindo essa conversa numa mesa ao lado da sua:

Pessoa 1: Eu acredito 100% na existência de Deus.

Pessoa 2: Como é que você tem 100% de certeza sobre algo que é impossível provar?

São grandes as chances da pessoa 1 ficar ofendida com a pessoa 2 mesmo que a intenção dela seja curiosidade pura.

Algumas culturas são melhores nesse aspecto, mas no Brasil nós temos tendência a levar as coisas para o lado pessoal. E isso é péssimo.

Conversas produtivas jamais confundem a pessoa com o argumento da pessoa. Não se julga o valor de uma pessoa em função da visão dela.

Numa boa conversa, a pessoa é uma coisa e o argumento dela é outra. Então a sua atitude deve ser uma com o argumento e outra com a pessoa.

PERGUNTAS QUE MUDAM O RUMO DE UMA CONVERSA

Muitas vezes, basta uma pergunta bem colocada para uma discussão tomar um rumo mais produtivo. Essas são algumas que aprendi ao longo desse ano moderando discussões mais profundas:

Você pode dar um exemplo?

Exemplos fazem a mente humana entender muito melhor. Um exemplo vai trazer o comentário abstrato de alguém para dentro do mundo real.

Antes de sair opinando, lembre de pedir um exemplo.

Podemos tentar definir o que é XYZ antes de continuar?

É mais comum do que pensamos seguir ladeira abaixo argumentando sobre coisas diferentes (embora parecidas) sem nem perceber.

Concorde com uma definição antes de prosseguir.

Deixa eu ver se eu entendi o que você está dizendo…

Enquanto os outros falam, geralmente estamos preparando o nosso contra-ataque. Em vez disso, podemos tentar confirmar o que o outro está dizendo antes de responder.

Você pode se surpreender com a quantidade de detalhes que interpretou errado. Consequentemente, você vai se surpreender com a quantidade de “batalhas” de argumentos que vai evitar.

O que você quis dizer quando usou essa palavra?

Sim, palavras têm um significado, mas os significados ficam flexíveis dependendo da maneira usada.

Perguntar o que o outro quis dizer com tal palavra é guardar o seu martelo e pegar uma chave de fenda, pois a pessoa te entregou um parafuso e não um prego.

Você tem uma história para ilustrar isso?

Parecido com perguntar um exemplo, mas ainda mais casual e leve.

Além disso, essa pergunta tem mais chances de trazer uma história pessoal, que com frequência é muito mais interessante do que um exemplo aleatório e externo.

CONCLUSÃO

Conversar é uma das principais características que diferencia a espécie humana das outras espécies de animais. No entanto, não sabemos extrair o máximo dessa experiência unicamente nossa.

Simplesmente assumimos que ter boas conversas é algo óbvio. Da mesma forma que assumimos tantos outros assuntos importantíssimos como óbvios: como ter resiliência, como encontrar significado, como superar ansiedade, como desenvolver autoconhecimento.

Mas na verdade, tudo isso deveria ser ensinado na escola, pois além de serem assuntos pouco óbvios, são muito úteis.

Boas conversas dificilmente acontecem por sorte, devemos aprender a construí-las, pois os benefícios disso, além de aprendizados sobre o mundo e sobre nós mesmos, são conexões humanas mais significativas.

Por fim, esse artigo listou 7 ingredientes para você começar a criar boas conversas e ajudar a recuperar essa importante arte que parece perdida.

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