Em Londres, bem no início desse ano, eu ouvi da boca do Alain de Botton, fundador da TSOL, que entender quem somos significa duas coisas acima de tudo:
- Melhores decisões
- Vida autêntica
Mas o objetivo desse texto não é te convencer disso.
Se você está curioso sobre essa discussão, talvez seja interessante conferir os problemas comuns de quem não se conhece muito bem ou o meu guia absoluto de autoconhecimento.
O objetivo desse artigo é entender como podemos descomplicar a trabalhosa jornada do autoconhecimento (dada a sua importância estrutural para viver melhor).
Mas antes de começar a responder, vale a pena compreender POR QUE se conhecer ainda é um processo tão tortuoso para qualquer pessoa.
Alguns assuntos são nebulosos simplesmente porque são muito novos e ainda não houve tempo para devida investigação.
Mas parece que esse não é o caso aqui.
O comando “conhece-te a ti mesmo” foi encontrado pela primeira vez no século 8 AC dentro do Templo de Apolo numa cidade Grega chamada Delfos, localizada a norte de Atenas.
Será então que foi falta de bons pensadores dedicados ao assunto ao longo da história?
Duvido muito…
- Platão (428 – 348 AC) falou sobre isso e constantemente escreveu ‘Gnothi Seauton‘ (conheça-se) em suas obras, muitas vezes se referindo ao seu amigo e mentor Sócrates.
- As lições dos Estoicos para lidar com as nossas ansiedades e emoções são úteis até hoje.
- René Descartes (1596 – 1650) foi o primeiro a levar questionamentos e autoquestionamentos para outro nível com seu raciocínio ‘Cogito, ergo sum‘ (penso, logo existo).
- Georg Hegel (1770 – 1831) falou sobre a importância de aprender com a história e de aprender as lições que as diferentes fases da nossa vida ensinam sobre nós.
- Friedrich Nietzsche (1844 – 1900) achava que o papel central da filosofia era nada menos do que nos ensinar a ser quem somos.
- Sigmund Freud (1856 – 1939) falou sobre o nosso subconsciente e fundou a psicoterapia que é usada por nós até os dias de hoje (por mais diferente que ela esteja da idealização dele).
- Fora todos os avanços grandes e recentes da psicologia e da neurociência…
Então por que a coisa ainda não é mais prática e exata quando o assunto é autoconhecimento?
Por que não podemos simplesmente ir no médico e fazer um exame que entregue todo o conteúdo do nosso cérebro em PDF?
Por um lado é natural, afinal o nosso subconsciente não é tão acessível quanto gostaríamos. Se fosse, não seria “sub”, seria apenas “consciente”.
Fora isso, a pura verdade é que nós não sabemos nada sobre o cérebro e sobre consciência.
Ou seja, uma cura rápida para esse problema simplesmente não existe.
Neurociência já é um campo fascinante que nos dará respostas grandes no futuro, mas por enquanto estamos engatinhando.
No entanto, nada mudou. Conhecimento próprio continua sendo crucial para viver melhor. Todo mundo precisa do que o Alain de Botton disse: boas decisões de vida e mais autenticidade. O que fazer então?
Ora, trabalhamos apesar das limitações.
Ou seja, já que não há um exame médico rápido que nos entregue mais clareza de vida e autenticidade, nós precisamos de ARTIFÍCIOS.
EXEMPLOS DE ARTIFÍCIOS PARA CONHECIMENTO PRÓPRIO
Os exemplos vão desde os mais direcionados tipo terapia, até outros bem pouco direcionados tipo tirar um período sabático:
- Psicoterapia: existem muitos métodos e muitas escolas interessantes: psicanálise, jungiana, lacaniana, cognitivo-construtivista, analítico-comportamental, cognitivo-comportamental, gestalt, só para citar algumas
- Terapias alternativas: astrologia, constelação familiar, hipnoterapia, construir um alterego
- Meditação: mindfulness, meditação filosófica, yoga, meditações com cunho religioso
- Reflexão: journaling, investigar a infância, examinar memórias, conversas temáticas, construir sua árvore genealógica
- Feedback: qualquer método para entender como somos vistos
- Mentoria: Contratar um coach, eleger um mentor, ter um tutor, ou qualquer acompanhamento direcionado
- Ferramentas: testes de personalidade, questionários de forças e fraquezas, exercícios para identificação de valores pessoais, PNL
- Conhecimento: livros, blogs, cursos
- Experiências: vivências, retiros, viagens, tirar um período sabático
- Cultura: museus, filmes, música, arte de modo geral
- E outras dezenas de exemplos que eu poderia te dar aqui…
Legal, tudo isso ajuda muito.
É realmente possível desenvolver um bom nível de autoconhecimento fazendo uso de apenas alguns desses artifícios.
E isso é o que a maioria das pessoas (que busca desenvolvimento) faz.
Porém, o processo de se conhecer não está totalmente simplificado pelo fato de termos opções na manga. Pelo contrário, eu enxergo diversos problemas e limitações nesses artifícios.
Coisas que podem (e devem!) ser descomplicadas.
ALGUNS PROBLEMAS DOS ARTIFÍCIOS QUE TEMOS HOJE
- Diante de tanta coisa, como saber o que é o melhor PARA MIM?
- Muitos artifícios são excelentes para levantar informações próprias, poucos artifícios são excelentes para transformar informação em conhecimento e aplicação.
- O problema de vender ferramentas isoladas sem nenhum contexto.
- Falta de equilíbrio entre rigor e relevância. Ou seja, de um lado existem abordagens confiáveis que não servem para nada na prática, e do outro existem abordagens que podem aumentar seus problemas e não diminuí-los, pois saíram da cabeça de uma pessoa qualquer.
- Visão pouco crítica: todo mundo quer te vender “a verdade”.
- Visão pouco realista: choques de positivismo excessivo.
E só para constar, eu sei que autoconhecimento nunca será um assunto claro como o sol.
Só estou dizendo que pode ser mais claro do que é hoje. Aliás, o caminho TEM QUE ser mais claro!
Afinal, não é só a qualidade da nossa vida que depende disso, a qualidade do mundo também. Eu explico: a qualidade do nosso mundo não pode exceder a qualidade das pessoas que constroem ele, faz sentido?
Esse talvez seja o ponto principal do meu incômodo:
Algo tão estrutural, não apenas para viver uma boa vida, mas também para construir um mundo melhor, deveria ser mais simples de entender e de desenvolver (mesmo considerando os bons artifícios e métodos que temos).
Ok, até faz sentido, mas o que fazer?
EU TENHO A SOLUÇÃO PARA TODOS OS SEUS PROBLEMAS!
É mentira, eu não tenho.
Mas é verdade que a minha visão é um pouco diferente em alguns aspectos.
Eu acho que a sinergia entre mundo real e mundo acadêmico está me dando um ângulo diferente para olhar assuntos relacionados a desenvolvimento pessoal.
Então vou explicar o que eu proponho fazer diante dos 6 problemas que eu levantei acima:
1. Terapia para escolher terapia
Problema: “Diante de tanta coisa, como saber o que é melhor PARA MIM?”
Como resposta à pergunta aqui acima, você pode dizer “se eu precisar, eu vou num psicólogo e acabou”.
Boa resposta. Afinal eles estudam para isso e são qualificados para isso.
Mas mesmo que você seja pragmático assim, você ainda tem decisões para tomar: psicanálise, jungiana, lacaniana, cognitivo-construtivista, analítico-comportamental, cognitivo-comportamental, gestalt, psicodrama…
Ou talvez você não seja tão pragmático e esteja curioso por métodos alternativos, talvez PNL para um desafio bem específico, talvez constelação familiar para revelar algo mais profundo.
Será que sua dor não é puramente profissional? Um mentor poderia ser uma boa saída então.
Em outras palavras, parece até que precisamos de terapia para conseguir escolher uma terapia.
Claramente essa ideia é meio maluca, mas o que está por trás dela é simples: conhecimento.
Na verdade, esse é um dos meus objetivos com esse site, escrever sobre métodos, escolas, autores, abordagens, ciência, pseudociência, fazer comparativos, recomendações…
Mas enquanto esse site não estiver mais completo de conhecimento, aqui vão algumas dicas para você navegar nesse mar de artifícios:
- Journaling já é algo endossado pela ciência e pode fazer esse papel de “terapia para escolher terapia”, pois organiza as nossas ideias e traz clareza
- Amigos também são excelentes opções para filtrar e entender o que pode ser melhor para nós
- Siga o conselho de um livro de improvisação que eu li recentemente: “Comece em qualquer lugar” e depois pare para novas ponderações
- Arte tem um papel terapêutico: visite um museu aleatório e inspire-se um pouco
2. Parar de parar no meio do caminho
Problema: “Muitos artifícios são excelentes para levantar informações próprias, poucos artifícios são excelentes para transformar informação em conhecimento e aplicação”.
Para ler com calma: Informação é diferente de conhecimento que é diferente de sabedoria.
Exemplo:
- Informação: receber um feedback formal
- Conhecimento: compreender o feedback que você recebeu
- Sabedoria: melhorar a sua vida com base no que você compreendeu
Outro exemplo:
- Informação: receber os resultados de um teste de forças e fraquezas pessoais
- Conhecimento: compreender o que os resultados significam para você
- Sabedoria: implementar mudanças lá dentro da sua rotina com base no que você compreendeu
Eu não tenho interesse em apenas te ajudar a extrair informações próprias. Isso seria parar no meio do caminho.
Apesar disso ser parte importante do processo, meu maior interesse está em te apontar como analisar essas informações que estão no ar e em como aplicar esse novo conhecimento dentro da sua vida.
3. Mais contexto, menos texto
Problema: “O problema de vender ferramentas isoladas sem nenhum contexto”
Eu sempre odiei falta de contexto.
A escola é craque nisso. As matérias são universos isolados enquanto o mundo real é transdisciplinar e caótico.
Situação comum em desenvolvimento pessoal: “hoje vou explicar uma ferramenta muito boa chamada roda da vida, ela é assim, assim, assim…”.
Ótimo, mas por quê? De onde veio a roda da vida? Existem outras similares? De qual fase do meu desenvolvimento estamos falando? Como dou sequência na aplicação dessa ferramenta? Ela é imprescindível para o desenvolvimento de uma pessoa?
Dá para passar um excelente contexto em poucos minutos.
Um dos problemas do mundo hoje é excesso de informação, é por isso que cada vez mais precisamos de organização e clareza de raciocínio.
Já existe muito texto, precisamos de contexto.
4. Equilibrando rigor e relevância
Problema: “Falta de equilíbrio entre rigor e relevância”.
- Rigor: Saber se a ideia em questão é válida e minimamente confiável e precisa.
- Relevância: Saber se a ideia em questão é fácil de aplicar, conveniente e útil.
É o seguinte, ideias que passam por métodos científicos e altamente rigorosos muitas vezes não servem para nada na prática.
Em contrapartida, muitas ideias atraentes e aplicáveis saem da cabeça de uma pessoa qualquer e muitas vezes isso irá aumentar os seus problemas e não diminuí-los.
Talvez você não saiba, mas eu estou fazendo um Doutorado em Administração na Universidade de Lisboa e ter um pé dentro da vida acadêmica está me dando um olhar diferente para essas coisas.
Aqui nesse site, eu prometo equilibrar rigor e relevância. Como?
Eu quero buscar problemas e desafios do mundo real (sem isso eu perco relevância) e abordá-los sem abrir mão de fontes e recomendações válidas (sem isso eu perco confiança).
5. Desenvolvendo pensamento crítico
Problema: “Visão pouco crítica”.
Ninguém tem “a verdade”. Esse é o papo reto.
Eu sei… nós queremos e desejamos as fórmulas, segredos, atalhos, milagres, hacks, e por aí vai.
É natural.
Imagina alguém que acabou de fraturar um osso da perna, o que essa pessoa quer do médico: a droga para acabar com a dor, ou ouvir “dor é um processo?”
Com dores emocionais não é diferente. E eu já disse que não há um exame no médico que nos entregue clareza e propósito de vida.
No mundo ideal, precisamos parar de buscar fórmulas e começar a refletir sobre qual pode ser a melhor fórmula PARA NÓS.
Pensando friamente aqui, como é que alguém pode saber o que é o melhor para a sua vida?
Sendo assim, o melhor (absolutamente O ME-LHOR!) que eu posso fazer por você é te incitar a pensar melhor.
Essa é a chave. Esse é o hack absoluto. Essa é a mãe de todas as fórmulas.
É longo prazo e é diferenciador. Sabe por que é diferenciador? Porque poucas pessoas estão dispostas a fazer isso.
6. Caindo na real
Problema: “Visão pouco realista”.
Têm muitos sites e programas de desenvolvimento pessoal dizendo que você pode tudo: que você pode ter quanto dinheiro quiser, que você pode conquistar quem você bem entender, e que você pode ser feliz 100% do tempo.
Em resumo, a mensagem é que não existem limites na vida.
Logo, entende-se que se você não está conseguindo sucesso, há algo intrinsicamente errado COM VOCÊ.
Bem, para mim, a vida oferece limites claros: biológicos e sociais. Por sinal, isso é uma discussão riquíssima e longa, então tentarei ser breve para me explicar.
Do lado biológico, eu entendo que eu posso treinar o quanto eu quiser, mas eu NÃO vou compor como o Mozart, nadar como o Phelps, ou calcular como Einstein.
Não me entenda mal, treinamento pode me fazer muito bom ou até mesmo excelente, mas não como eles.
Já do lado social, eu te pergunto: Einstein teria sido Einstein se tivesse nascido no meio da África, doente por falta de saneamento básico, e sem educação?
Novamente, não me entenda mal, eu me encho de inspiração com as lindas histórias de quem veio de condições extremas e conseguiu sucesso, mas no fim do dia, os números são claros.
Fora tudo isso, sabe qual é o GRANDE PERIGO de vender para uma pessoa a ideia de que ela consegue absolutamente tudo o que ela bem entender?
Ela vai des-mo-ro-nar se por acaso ela não conseguir. Com sorte, ela irá apenas se culpar. Com azar, ela irá achar que não tem valor nenhum e coisa pior.
Por fim, eu acho um pouco estúpido dizer para alguém que “é só você querer”. Tipo, você conhece alguém que não quer viver melhor?
Que curte pegar 3 transportes públicos, que fica mindful quando percebe que o dinheiro acabou, que não vê a hora de chegar aquela crise de meia idade?
Eu não conheço. E sim, tem gente que até parece gostar da posição de vítima, mas genuinamente, todos nós sabemos que nenhuma criança nasce e cresce sonhando com uma vida de sofrimento.
Sendo assim, aqui nesse site, eu te prometo uma abordagem REALISTA, sem o positivismo excessivo bastante comum do desenvolvimento pessoal.
CONCLUSÃO
Autoconhecimento ainda é um processo tortuoso e obscuro. E como vimos, não é por ser assunto novo nem por falta de bons pensadores ao longo da história.
Em resumo, não há solução rápida e direta para autoconhecimento, pois sabemos pouquíssimo sobre o cérebro e sobre consciência. A neurociência nos promete respostas grandes, mas até lá nós utilizamos os artifícios que temos.
E apesar deles ajudarem bastante, existe uma série de problemas e limitações em torno desses métodos. Isto é, ainda há muito espaço para descomplicações. E é necessário simplificar! Afinal, o processo de olhar para dentro já é naturalmente complexo.
Mas além de criticar e apontar limitações, eu propus maneiras de descomplicar o caminho. Afinal, autoconhecimento é algo de importância estrutural para vida melhor e mundo melhor.